Gilberto Gomes sobre autocontenção do TCU na desconsideração da personalidade jurídica de Holdings


Destaques e Notícias | 7 de novembro / 2025

“Tudo posso, mas nem tudo me convém.” Adágio bíblico (1 Coríntios 6:12), a frase expressa que as escolhas e as decisões não devem se orientar apenas pela possibilidade de se fazer algo, mas também pela reflexão sobre as consequências que delas decorrem. Esse equilíbrio entre possibilidade e consequencialismo foi explorado de forma bastante interessante no Acórdão 2.312/2025 do plenário do Tribunal de Contas da União.

O caso, que trata de tomada de contas especial para apuração de superfaturamento nas obras de terraplenagem da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), acabou sendo arquivado pela incidência da prescrição punitiva e ressarcitória, estendendo posicionamento do STF em Mandado de Segurança a todos os responsáveis, e não apenas às partes no processo. Mas não é esse ponto que mais chamou atenção na decisão.

O voto condutor não se ateve à prejudicial de mérito e analisou outras questões levantadas no processo. Entre elas, a desconsideração da personalidade jurídica das empresas contratadas para a obra para a responsabilização também das empresas holding controladoras.

Já há muito o TCU entende-se competente para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Considerando ser um poder implícito à sua atuação, aplica diretamente o art. 50 do Código Civil, que caracteriza como abuso da personalidade jurídica o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

A novidade no julgamento do Acórdão 2.312/2025 foi o estudo detido da questão para levantar quatro limites à conveniência de seu uso pelo TCU.

Primeiro, é o reforço da diferença entre a aplicação de técnicas de responsabilização direta – quando há demonstração de que também a holding concorreu para os ilícitos apurados – e a desconsideração da personalidade jurídica. Entretanto, em um caso ou no outro, há necessidade de apresentação de prova ou na participação no ilícito, ou na fraude na constituição da personalidade jurídica, não sendo possível a presunção em qualquer caso.

Segundo, é a necessidade de observação pela Corte de Contas do equilíbrio entre a censura a práticas fraudulentas – o desvio de finalidade e a confusão patrimonial – e o resguardo do princípio da autonomia, fazendo referência direta à Lei da Liberdade Econômica, quando aponta que a autonomia patrimonial é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos.

Terceiro, é a indicação de que o “mero” superfaturamento não poderia ser utilizado como fundamentação para configurar o ato fraudulento ou abusivo que exigiria a responsabilização das holdings. Assim o fosse, como argumentado no voto, em todos os casos em que há imputação de superfaturamento deveria haver a desconsideração da personalidade jurídica, o que não é previsto em lei e não respeitaria justamente a autonomia patrimonial.

Por último, e aqui em reconhecido obter dictum, o ministro relator afirma que sequer caberia ao TCU realizar a desconsideração da personalidade jurídica de forma imediata por meio do acórdão que constitui o título, já que essa questão poderia – ou deveria – ser avaliada na fase de execução judicial do julgado.

Agora resta observar se as premissas dessa interessante decisão serão observadas em julgamentos futuros.