Há duplo grau de jurisdição no TCU?


Destaques e Notícias | 8 de abril / 2021

Segundo o próprio Tribunal de Contas da União (TCU), o princípio do duplo grau de jurisdição incide em seu procedimento finalístico de controle externo, principalmente em processos que possam acarretar sanção a jurisdicionados. Ainda que sua aplicação pela Corte assuma contornos bastantes peculiares, vários de seus julgados apontam que a Lei Orgânica do TCU albergou esse princípio, no sentido de garantir a reavaliação do conteúdo debatido com o intuito de reparar decisão contrária ao interesse da parte (Acórdãos 2.171/2020-P e 8.557/2020-1ªC, por exemplo).

Uma das peculiaridades do duplo grau no TCU é a participação do ministro que relatou a decisão recorrida no julgamento do recurso que a desafia, apesar de o processo ser redistribuído a novo relator (Acórdão 288/2017-P). Trata-se de situação em que o “ministro relator recorrido” pode exercer as faculdades comuns de julgador durante a apreciação do caso, podendo proferir voto, pedir vistas e – por mais contraintuitivo que possa parecer – redigir voto vencedor em recurso contra sua própria decisão.

A situação gera certa perplexidade justamente por possibilitar que o “relator recorrido” possa defender sua decisão em plenário, inclusive com possibilidade de apartes às falas dos demais julgadores após a sustentação oral da defesa da parte.

Foi o que ocorreu na sessão plenária de julgamentos de 31 de março. Em Recurso de Reconsideração contra decisão que condenou a parte em ressarcimento ao erário (TC 031.629/2016-4), após voto da nova ministra relatora que acatou argumentos da defesa e de pareceres da área técnica e do Ministério Público de Contas, o primeiro relator pediu vistas para, posteriormente, apresentar voto revisor no sentido de manter a decisão em seus termos originais.

No caso, por desempate do ministro que presidia a sessão, venceu o voto revisor, proferido pelo relator recorrido, de modo que sua decisão original foi mantida. Ou seja, o mesmo ministro foi redator do processo duas vezes, nos dois graus de jurisdição.

De fato, não há previsão normativa expressa na Lei Orgânica ou no Regimento Interno do TCU que vede esse cenário. Inclusive, em oportunidade anterior nesta coluna, apontamos que a leitura de impedimento de ministros feita pelo TCU é bastante literal quanto ao art. 39 do Regimento Interno, contemplando apenas os casos em que ministro atuasse como advogado, perito, representante do Ministério Público ou servidor do TCU no mesmo processo (Acórdão 631/2017-P).

Contudo, se o ministro é impedido por ter atuado no mesmo processo em função diferente, por que não o seria por ter atuado anteriormente na mesma função? A nosso ver, é conclusão que o próprio Código de Processo Civil nos traz, na clara redação do artigo 144, II, de aplicação supletiva ao TCU: “Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão”.

À luz do caso concreto, a dúvida é: até que ponto se pode falar em duplo grau de jurisdição quando o juiz que relatou a decisão recorrida não apenas atuou na nova deliberação, como foi determinante para a manutenção do entendimento original do Tribunal?

Artigo publicado no JOTA.