A inspeção acreditada em empreendimentos de infraestrutura é regulamentada, desde de 2017, pela Portaria 367 do Inmetro, e é contemplada pela Orientação Normativa 1 da Secretaria de Participações e Investimentos da Presidência da República do mesmo ano, que passou a recomendar a sua utilização como boa prática. Com a nova lei de licitações e contratos, também se franqueou à Administração Pública o uso desse mecanismo, segundo o art. 17, §6º dessa lei.
Mas o que é a inspeção acreditada?
A inspeção consiste em exame, feito por organismo de inspeção acreditado, sobre projetos, obras e orçamentos no âmbito de contratos administrativos. Esse exame verifica, dentre outros aspectos, a completude e a correção dos estudos e projetos de engenharia, o cumprimento dos requisitos legais e a compatibilidade dos cronogramas das obras com as metas contratuais.
As entidades certificadoras precisarão passar por processo de acreditamento, no qual é feita uma dupla análise. A primeira, de caráter técnico, avalia a capacidade técnica da entidade certificadora, a fim de determinar se reúne o conhecimento e o know-how necessários ao adequado exercício da inspeção. Nessa avaliação, busca-se afastar as entidades que não tenham a qualificação necessária para o cumprimento dos deveres relacionados à inspeção.
A segunda, de compliance, avalia se a entidade dispõe da independência e da imparcialidade imprescindíveis à validade do acreditamento. Aqui, mitiga-se o risco de conflito de interesses, privilegiando as instituições que sejam isentas e que tenham condições de avaliar com autonomia os atores econômicos de seu setor.
Vencidas essas etapas, a entidade se torna efetivamente “acreditada” e poderá exercer a atividade de certificação. Esse modelo está inserido em um contexto internacional, pois as entidades acreditadas devem se conformar a um sistema mundial de normas e de padrões técnicos (por exemplo: ISO 9001, ISO 14001), e se sujeitam à regulação editada por um organismo internacional, o IAF (International Accreditation Forum), do qual o Brasil é um país membro por meio do Inmetro. De fato, o modelo é usado com sucesso em diversos outros países, como a França e a Alemanha.
A inspeção acreditada mitiga o risco decorrente das corriqueiras necessidades de readequação de projetos e de orçamentos, garantindo maior previsibilidade aos contratos e aos agentes econômicos neles envolvidos. Ao reduzir riscos, o processo de acreditamento também reduz custos de capital relacionados a juros dos financiamentos adquiridos pelas concessionárias, implicando ganhos financeiros às concessões.
Além disso, o sistema pode se tornar uma solução viável para, no mínimo, mitigar problemas históricos que afetam a regulação do setor rodoviário, como a falta de mão de obra das agências reguladoras. Nos próximos cinco anos, há a expectativa de duplicar a malha rodoviária concedida no Brasil, e não há perspectiva de ampliar os quadros da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para fazer frente a essa nova demanda regulatória.
Nesse quadro, haver uma entidade, reconhecidamente isenta e hábil, que possa coletar dados em campo para avaliar adequação de projetos seria um inegável avanço do ponto de vista regulatório. Claro, o objetivo não é – nem pode ser – a terceirização da atividade regulatória. A tarefa do organismo de inspeção é apenas subsidiar as agências reguladoras, que evidentemente farão análise crítica do trabalho realizado.
Entretanto, a inspeção implica custos a serem suportados pelas concessionárias, a quem se atribui o ônus de contratar os organismos de inspeção acreditada. Além disso, a realização da inspeção demanda tempo, que é sempre um recurso escasso nas concessões rodoviárias, muitas das quais se veem às voltas com problemas de cronograma. Embora se estabeleça prioridade na tramitação de projetos executivos inspecionados, e se estabeleça possibilidade de técnica de fast tracking, ainda será preciso avaliar os impactos dessa nova obrigação sobre os cronogramas dos contratos.
A recente Instrução Normativa 19 da ANTT, que entrou em vigor no começo deste mês, contemplou algumas das orientações do Tribunal de Contas ao estabelecer critérios claros de habilitação do organismo de inspeção (art. 8º), permitir a ampla divulgação dos produtos do certificador (art. 34) e estabelecer, de forma nítida, que a competência regulatória permanece plenamente com a Agência (art. 33). Nota-se, porém, que a Instrução não parece acatar os pontos “i” e “iii” do TCU, pois insiste no uso da palavra “independente” (art. 6º, §1°) e responsabiliza apenas a concessionária por falhas do certificador (art. 29).
Essa aparente divergência provavelmente será objeto de julgamentos futuros no âmbito do Tribunal de Contas. Espera-se que a pacificação dessa matéria, ainda em andamento, traga ganhos importantes aos setores regulados.
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