Limites aos poderes individuais no TCU: o pedido de vista e a força do colegiado


Destaques e Notícias | 15 de janeiro / 2020

O TCU vive momento de expansão de poder. O balanço do ano de 2019 produzido por este Observatório apresentou como diagnóstico central o alargamento de competências operado por decisões da própria Corte.

Se fica cada vez mais evidente o que faz o Tribunal e qual é o impacto de suas decisões, pouco se sabe sobre quem é o TCU. Em muitos sentidos, ainda se trata de outro desconhecido, em expressão de Aliomar Baleeiro para se referir ao STF no final dos anos 1960.

Inicialmente, é preciso distinguir três espaços dotados de autonomia funcional que podem ser vistos como “TCUs” diferentes: (i) o colegiado de ministros, responsável pela tomada de decisão; (ii) as secretarias técnicas compostas por auditores de carreira; e (iii) o Ministério Público junto ao TCU.

Em relação ao primeiro espaço, mudança regimental, aprovada em 22 de maio (Acórdão 1167/2019-P; Resolução nº 310/2019) e que passou a vigorar nas últimas sessões de 2019, jogou nova luz sobre a dinâmica decisória do Tribunal.

A mudança instituiu o fim da vista individual dos processos, trazendo a figura da vista coletiva. Em essência, uma vez deferido o pedido de vista, esse passará a valer coletivamente, para que todos os ministros tenham acesso aos autos simultaneamente, vedando-se a possibilidade de sucessivos pedidos de vista.

Além disso, foi estabelecido prazo para continuação do julgamento: o autor do pedido de vista tem a obrigação de reincluir o processo em pauta dentro de 20 dias – ou 60 dias, em casos excepcionais.

Foram dois os fundamentos principais apresentados pelo relator para justificar a vista coletiva: a nova realidade do processo eletrônico, que permite o compartilhamento simultâneo de autos com diferentes gabinetes, e a adaptação da ritualística processual do TCU ao CPC e à legislação correlata.

A alteração tem como norte a celeridade decisória. A justificativa do projeto de resolução indica a intenção de “barrar a prática de engavetamento de processo por meio do pedido de vista”, uma vez que haveria a “possibilidade de que cada julgador peça vista, o que pode fazer estenderem-se os processos por dezenas de anos, como se tem verificado, especialmente no Supremo Tribunal Federal”.

Fica claro que a mudança de caráter procedimental possui notável impacto sobre a própria identidade do colegiado. Representa evidente redução de poderes individuais dos ministros, que se veem privados da possibilidade de agir estrategicamente, controlando o timing de julgamentos a partir de múltiplos pedidos de vista ou de sua postergação indefinida.

Consolida-se situação oposta à que se observa no STF – expressamente mencionado no projeto de resolução –, em que é recorrente a crítica à expansão de poderes individuais de ministros (e.g. artigo de Joaquim Falcão e Diego Werneck . Por lá, o poder de vista, distribuído de forma fragmentada e sem controles, é percebido como um mecanismo que fragiliza a colegialidade e corrói a legitimidade do Tribunal.

À primeira vista, portanto, a mudança regimental do TCU explicita uma faceta promissora da Corte de Contas: há maior força do colegiado em detrimento da individualidade dos ministros. Resta saber se o novo desenho do pedido de vista proporcionará o balanço ótimo entre celeridade decisória e o necessário aprofundamento do debate interno.

Artigo publicado no Jota no dia 15/01/2020.