Mitigação do dever de ressarcir o erário por desproporção entre culpa e dano


Destaques e Notícias | 1 de agosto / 2023

Uma das conclusões possíveis a partir de uma análise apressada sobre a evolução histórica dos regimentos internos do Tribunal de Contas da União (TCU) é a de que a preocupação sobre a aplicação subsidiária ou supletiva de outras normas ao processo de contas é muito recente. A aplicação subsidiária das leis do processo administrativo e processo civil, “no que couber”, somente foi inserida na regra regimental a partir de sua versão de 2012.

Por outro lado, apesar de ser em sua essência um ente administrativo judicialiforme com competência para quantificar danos ao erário e identificar responsáveis, as leis que definem a atividade do TCU não guardam especial atenção à aplicação de normas de responsabilidade civil – vinculadas ao Direito Civil. Em geral, a extensão da responsabilidade dos jurisdicionados é avaliada a partir do tradicional trinômio conduta ilícita, nexo de causalidade e dano.

A essas bases, recentemente se adicionaram as novas disposições de interpretação das normas do Direito Público contidas na LINDB em 2018. Ao mesmo tempo em que sugere uma interpretação consequencialista do Direito, modula a responsabilidade de gestores para situações em que há dolo ou erro grosseiro.

Em análise de estudo elaborado por grupo de trabalho sobre a imputação de débitos a pessoas físicas no âmbito do TCU, o plenário da corte recentemente expediu o Acórdão 1370/2023-P. Frente ao problema da imputação de débitos multimilionários – ou mesmo bilionários – a gestores públicos que certamente não teriam patrimônio para ressarcir esse débito, a novidade trazida pelo estudo é a avaliação sobre a aplicabilidade do artigo 944, parágrafo único, do Código Civil à jurisdição de contas.

O dispositivo traz que: “A indenização mede-se pela extensão do dano. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.

No estudo objeto do Acórdão 1370/2023-P, o plenário do TCU traz possibilidades para a aplicação dessa norma, tal como a não imputação integral e solidária do débito a pessoas físicas colaboradoras, a partir da cotização dessa responsabilidade e o caso de exercício por gestor público de função com risco inerente de causar elevadíssimo dano ao erário, como dirigentes de empresas públicas, em que seria possível a inclusão na cadeia causal da conduta por ato de pouca gravidade. No entender do plenário, seriam exemplos de casos que demandariam tratamento especial. Nesses casos, portanto, o tribunal vai além da sua jurisprudência, que já aponta que a solidariedade é benefício do credor, podendo o tribunal, por conveniência de instrução de seus processos, deixar de imputar débito a quem não tenha sido chamado ao processo.

É benéfica a evolução da interpretação das normas de responsabilidade civil pelo TCU. A ponderação quando da imputação de débito a pessoas físicas na proporção de sua culpa é questão de justiça já reconhecida pelo Direito brasileiro há muito.

Mas até para o amadurecimento da discussão, é necessária certa provocação: seria o TCU o órgão competente para realizar o juízo de solidariedade da cobrança a pessoas físicas? Ao apontar que deveria buscar o ressarcimento ao Erário prioritariamente daqueles que teriam se beneficiado do dano – em especial grandes empresas ou “super-ricos” –, o TCU não estaria criando hipótese adicional de definição da responsabilidade civil?