O plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADPF nº 949, para determinar que as decisões judiciais contra a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap devem ser executadas exclusivamente sob o regime de precatórios.
Ao apreciar a questão, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou procedente o pedido apresentado pelo governador, concluindo que a “entidade presta serviço público essencial relacionado à zeladoria e realiza obras públicas de interesse público, gerenciando-as e executando-as em conformidade com o planejamento elaborado pelo Governo do Distrito Federal” razão pela qual “(n)ão se trata de atividade econômica exercida em regime de concorrência ou voltada ao lucro, mas inserida em contexto de políticas públicas essenciais e de envergadura constitucional atinentes”.
Até então, a Novacap estava sujeita ao regime das pessoas jurídicas de direito privado, submetendo-se aos meios coercitivos e executórios previstos no Código de Processo Civil. O Governo Distrital insurgiu contra esse entendimento consolidado pelo TJDFT sob o fundamento de que a Novacap, na posição de empresa pública que presta serviço público próprio de Estado em regime não concorrencial, deveria se submeter ao regime de precatórios previsto no art. 100 da Constituição Federal, próprio da Fazenda Pública.
O entendimento aplicado à Novacap representa apenas mais uma ação constitucional entre os diversos casos apreciados pelo STF acerca da submissão de empresas prestadoras de serviço público ao regime de precatórios.
Em virtude dos impactos dessas decisões, especialmente para os credores dessas empresas, pretende-se, comentar e debater as premissas e conclusões exaradas.
Em suma, nessas demandas, busca-se definir, caso a caso, de que forma as condenações judiciais das empresas públicas serão exigidas: se pelo rito comum, seguindo as medidas necessárias à satisfação do Exequente como, por exemplo, a penhora de bens, o bloqueio de contas e imposição de sanções pelo não adimplementos espontâneo, ou mediante o regime de precatórios, no qual o pagamento está condicionado a uma ordem cronológica de pagamento e à disponibilidade financeira do ente pagador, de acordo dotação orçamentária do ente federativo.
Via de regra, o Supremo afirma que as empresas estatais estão sujeitas ao regime das pessoas jurídicas de direito privado, a não ser que a empresa possua capital social majoritariamente público, preste serviços públicos essenciais e em regime de exclusividade e não tenha por objetivo acumular patrimônio e distribuir lucros. Nessa hipótese, aplica-se o regime de precatórios próprio da Fazenda Pública.
Portanto, para que uma empresa pública ou sociedade de economia mista se submeta ao regime de precatórios, ela deve preencher, necessariamente, os seguintes requisitos cumulativos: 1) prestam serviço público essencial; 2) em regime não concorrencial; e 3) sem intuito primário de lucro.
Contudo, apesar de as hipóteses de sujeição ao regime de precatórios decorrerem de precedente consolidado há anos – ADPF nº 387 (EMGERPI), RE nº 225.011 (ECT), dentro outros- , cuja excepcionalidade demanda o preenchimento de requisitos cristalinos e específicos, a análise de adequabilidade dos requisitos aos casos concretos não tem sido realizada de forma meticulosa, resultando na aplicação arbitrária do regime de precatórios às empresas públicas.
Em outras palavras, não há uma correspondência entre a teoria – requisitos consolidados na jurisprudência – e a realidade prática das empresas que têm se beneficiado da aplicação desse entendimento.
Contextualizando essa distorção no caso da ADPF nº 949, em primeiro lugar, o acórdão parte do pressuposto de que a execução de obras e serviços de urbanização e construção civil são exercidos pela empresa em caráter de monopólio.
No entanto, a Lei nº 5.861/1972, que trata do objeto da Novacap, dispõe em seu art. 1º que a empresa “terá por objeto a execução de obras e serviços de urbanização e construção civil de interesse do Distrito Federal, diretamente ou por contrato com entidades públicas ou privadas”.
No mesmo sentido, destaca-se que a Carta de Serviços disponibilizada pela própria empresa define que a Novacap “possui o objetivo de explorar as atividades econômicas relacionadas à execução de obras e serviços de urbanização e construção civil”.
Questiona-se aqui se “explorar as atividades econômicas”, no setor de construção civil pode ser considerado um serviço prestado em caráter de exclusividade somente por ser exercido por uma empresa cujo controle societário pertence, parcialmente, ao Distrito Federal.
Em segundo lugar, o que corrobora a não aplicação do regime de precatórios à Novacap é o intuito primário de lucro da empresa, haja vista que a empresa, de forma institucionalizada, distribui dividendos aos seus acionistas, conforme disposto em seu sítio eletrônico.
Nesse sentido, cita-se a Política de Distribuição de Dividendos e Juros sobre o Capital Próprio da Novacap, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal nº 73, de 17 de abril de 2020, que dispõe, em seu art. 2º, que os “Dividendos e Juros sobre o Capital Próprio correspondem à parcela dos lucros eventualmente apurados pela empresa, a serem distribuídos aos acionistas”.
Por fim, é importante destacar que o acórdão ignorou a argumentação apresentada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no sentido de que a Novacap, por integrar a Administração Pública Indireta e possuir personalidade jurídica de direito privado, não faz jus às prerrogativas próprias da Fazenda Pública.
Ao que tudo indica, os requisitos para aplicação do regime de precatórios às empresas públicas e sociedades de economia mista são claros e diretos. Porém, a realidade das empresas é distorcida, caso a caso, para se amoldar à exceção.
Diante dessas distorções, os credores dessas empresas que, a exemplo da Novacap, foram ilegitimamente beneficiadas com a submissão ao regime de precatórios, restará uma longa demora até o adimplemento dos seus direitos.
Assim, o impacto dessa decisão nas empresas que possuem vínculos contratuais com a Novacap deve ser acompanhado com atenção pelos gestores e pelo judiciário, haja vista a frequência com que tais relações são judicializadas e, a partir de agora, ressarcidas pelo regime de precatórios.
*Juliana Andrade Litaiff é advogada do escritório Piquet Magaldi e Guedes Advogados e atua principalmente na área de Direito Administrativo Sancionador. Graduada pela Universidade de Brasília. Amanda Ribeiro Lemos é advogada do Piquet, Magaldi e Guedes Advogados. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola da Magistratura. Graduada pelo Centro Universitário de Brasília.
Artigo publicado no JusBrasil no dia 21 de novembro de 2023.
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