STF decide que ressarcimento após condenação no TCU prescreve em cinco anos


Destaques e Notícias | 18 de maio / 2020

Por GUILHERME PIMENTA

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em repercussão geral, que a União deve buscar ressarcimento ao erário decorrente de decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) em no máximo cinco anos após o acórdão da corte, aplicando a tese da prescritibilidade.

Em recurso extraordinário da relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o STF entendeu que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário em que há prática de ato de improbidade administrativa doloso. Em demais ilícitos, a reparação aos cofres públicos deve ocorrer em cinco anos.

No caso concreto, o Supremo analisou um recurso de Vanda Maria Menezes Barbosa, ex-presidente da Associação Cultural Zumbi. O TCU apontou irregularidades em um convênio celebrado com o Ministério da Cultura e aplicou multa à gestora.

“No processo de tomada de contas, o TCU não perquire nem culpa, nem dolo decorrentes de ato de improbidade administrativa, mas, simplesmente realiza o julgamento das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário”, assinalou o ministro Alexandre de Moraes em seu voto.

No entendimento do ministro Moraes, o reconhecimento de imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas conflita com a garantia do devido processo legal.

Como há um vácuo legal, ou seja, não existe lei que trate especificamente do tema, Alexandre de Moraes interpretou ser aplicável, integralmente, o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/80, que rege a
Execução Fiscal e fixa em cinco anos o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente.

TCU

Em sessão plenária, o ministro Benjamin Zymler, do TCU, afirmou ver com preocupação a decisão do STF. No limite, segundo ele, ela pode ser “dramática” para a atuação da Corte de Contas.

Além disso, segundo Zymler, ela traz mais dúvidas que certezas. “Não foi definido se a tese incide no processo de contas em si mesmo, ou apenas ao ressarcimento; se é 5 ou 10 anos de prescrição, qual o início da contagem, em quais situações e o que fazer com processos já julgados”, afirmou o ministro.

Nos bastidores, os ministros do TCU interpretam que, caso o STF seja “radical” e dê a mesma interpretação da prescrição de execução ao prazo de julgamento a processos de sua autoria, a maioria dos casos da Corte estaria prescrito, como todos aqueles decorrentes da operação Lava Jato.

Geralmente, o mesmo prazo prescricional aplicado à fase de execução é aplicado à fase de conhecimento do ilícito.

Atualmente, o TCU aplica o prazo prescricional de 10 anos do conhecimento do ilícito. Esse prazo, porém, é interrompido uma única vez: quando a Corte de Contas toma conhecimento do ilícito.

O tema foi pacificado em 2016 pelo TCU, no âmbito de um incidente de uniformização de jurisprudência. Os ministros identificaram, na ocasião, que havia um vácuo legal em relação à prescrição de processos de contas, tendo em vista que o artigo 37 da Constituição determina que lei específica deve fixar os prazos.

Na ocasião, a tese vencedora, levantada pelo ministro Bruno Dantas, se baseou no artigo 205 do Código Civil, tendo em vista a falta de legislação específica.

“Na nossa jurisprudência, é comum recorrermos à parte geral do Código Civil em busca do conceito e do sentido de institutos aplicáveis a qualquer âmbito do direito”, escreveu o ministro à época.

Em relação ao julgado do STF, Bruno Dantas avaliou que o Supremo deu uma má interpretação ao relacionar uma execução decorrente de um acórdão do TCU às normas que regem as execuções tributárias.

“Embora obedeçamos os procedimentos da lei de execução fiscal, a execução do TCU não se trata de crédito tributário. Logo, não é aplicável o prazo estabelecido no Código Tributário Nacional.”

Para o ministro Walton Alencar, a discussão sobre a prescrição decorrente de acordão do TCU será a mais importante a ser definida no ano, tendo em vista seus impactos na corte.

“Do ponto de vista político, é uma verdadeira tsunami que bateu nas praias do tribunal, arrastando praias, prédios e tudo. A partir de uma deliberação que tudo deve ser analisado em cinco anos, todos os processos significativos serão lançados às traças”, preocupou-se Alencar.

A partir da decisão do Supremo, disse Walton Alencar, “metade dos administradores que desviaram recursos públicos e têm contas avaliadas pelo TCU, podem soltar foguetes, pois o débito está prescrito”.

Segundo o JOTA apurou, a Consultoria Jurídica do TCU avalia ingressar como amicus curiae no processo perante o STF para esclarecer os pontos da decisão, levando o argumento de que, na ausência de lei específica, aplica-se o prazo de 10 anos do Código Civil para efeitos de prescrição.

Repercussões

Na mesma linha do que foi levantado pelos ministros do TCU, Gilberto Gomes, do Piquet, Magaldi e Guedes Advogados, também avalia que a decisão do Supremo traz mais dúvidas que certezas.

“É importante definir qual é a prescrição para instauração de Tomada de Contas Especial perante o TCU, quando o termo inicial e quais são os atos interruptivos”, destacou o advogado.

Rafael Mota, sócio do Mota Kalume Advogados, destaca que a decisão do STF é coerente com sua jurisprudência. “Passado longo prazo não há como se garantir o direito de defesa, sendo necessário que as cortes de contas atuem em prazo razoável”, disse Mota.

“O gestor público muitas vezes não praticava um ato de alçada e o particular não possuía interesse em investir e contratar com o Poder Público com receio de que, depois de anos e até décadas, tivesse que prestar esclarecimentos às cortes de contas, com grande risco de ter que ressarcir um dito dano ao erário, sobre o qual ainda incidiriam juros e correção monetária”, justificou Mota.

Já para o advogado Murilo Jacoby, do Jacoby Fernandes & Reolon Advogados, é preciso punir com eficiência. Nesse sentido, não há senso de Justiça executar um administrador condenado pelo TCU depois de cinco anos do acórdão.

“Ao estabelecer o prazo de cinco anos, é preciso criar ferramentas para que os órgãos sejam eficientes”, disse Jacoby.

Matéria publicada no Jotta no dia 12/05/2020.