TCU e erro grosseiro: quando a culpa é realmente grave?


Destaques e Notícias | 22 de março / 2023

Desde a reforma da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, realizada pela Lei 13.655/2018, a aplicação dos novos dispositivos pelos órgãos de controle tem sido tema de discussões significativas. Um dos principais focos de debate é o conceito de “erro grosseiro”, requisito alternativo ao dolo para responsabilização pessoal de gestores públicos por suas decisões ou opiniões técnicas (art. 28).

Em 2021, o Observatório do TCU,[1] com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), concluiu pesquisa mapeando decisões que utilizaram os novos dispositivos da LINDB nos dois primeiros anos de vigência da Lei 13.655/2018.[2]

Quanto ao art. 28, o trabalho identificou que a primeira tentativa do TCU de estabelecer parâmetros mais claros para o uso do conceito de erro grosseiro ocorreu no Acórdão 1.628/2018-Plenário, sob relatoria do ministro Benjamin Zymler. Na oportunidade, reconheceu-se que o afastamento do gestor do “referencial do administrador médio” caracterizaria erro grosseiro passível de sanção.

Desde então, tal entendimento evoluiu. Por meio do Acórdão 2.391/2018-Plenário, que se tornou precedente de referência sobre a matéria, o próprio ministro Benjamin Zymler conduziu mudança na interpretação. Ali, o parâmetro para aferir a ocorrência de erro grosseiro passou a ser a culpa grave, isso é, a resultante de “nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio”.

O parâmetro anterior do homem médio, todavia, permaneceu presente nas decisões do TCU, sendo adotado por parte dos ministros. É o caso do Acórdão 2.012/2022-2ª Câmara, em que o ministro Antonio Anastasia defendeu “considerar o erro grosseiro como culpa grave, mas mantendo o referencial do homem médio”.

Em decisão recente da 1ª Câmara (Acórdão 63/2023-1ª Câmara), então, o ministro Zymler reafirmou a necessária separação do conceito de erro grosseiro ou culpa grave da figura do homem médio.

Referenciando as inúmeras deliberações nesse sentido, concluiu que a equiparação tornaria a culpa grave idêntica à culpa comum ou ordinária, negando-se eficácia às mudanças promovidas pela Lei 13.655/2018. Isso porque a reforma da LINDB buscou instituir um novo paradigma de avaliação da culpabilidade dos agentes públicos, tornando mais restritos os critérios de responsabilização.

As reflexões recentemente reforçadas pela 1ª Câmara são importantes, visto que buscam obstar o esvaziamento das disposições da LINDB. Resta ver como a divergência de entendimento será enfrentada nas próximas decisões do tribunal, e se terá repercussões práticas na responsabilização dos gestores públicos.


[1] Grupo de pesquisa permanente do Grupo Público da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV Direito SP), em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público (sbdp).

[2] Houve referência prévia à pesquisa nesta coluna em setembro de 2021: “Como o TCU aplica a LINDB?”.

 

Artigo publicado no JOTA.